Comunismo

 Recentemente, surgiu em múltiplos meios de comunicação a notícia de que o túmulo de Karl Marx em Londres tinha sido vandalizado, a segunda vez num período de duas semanas. Em resposta a este acontecimento – e, acrescente-se, com toda a razão – o cemitério de Highgate, onde está localizado o dito túmulo, escreveu que “o que quer que achem sobre o legado de Marx, esta não é a forma de se pronunciarem sobre ele”. De facto, este ato de vandalismo destaca-se ao ser notícia de jornal; a sociedade urbana já está habituada à proliferação de grafitis de foices, martelos e rabiscos marxistas, ao ponto da flagrante denúncia desta ideologia, ainda mais em monumentos públicos, ser algo que foge à norma. Condenações de vandalismo e comportamento imaturo à parte, vale a pena prestar atenção à mensagem passada pelos perpetradores de tal ato. Nas faces do memorial podiam ler-se frases como “Memorial ao holocausto Bolchevique 1917-1953, 66.000.000 milhões de mortos”, “Ideologia da fome”, “Doutrina do ódio” e “Arquiteto de genocídio, terror, opressão e assassínio em massa”. O mais impressionante nas acusações mencionadas, é que, de facto, até certo ponto são verdadeiras. Só não o são totalmente porque Karl Marx não participou diretamente na execução das ações mencionadas, embora tenha sido o responsável pelo fundamento filosófico que as possibilitaram. 

 Ao longo da história, o comunismo foi deixando para trás um rasto de sangue, cujas vítimas dificilmente são contabilizadas e reconhecidas adequadamente. De acordo com a obra “O Livro Negro do Comunismo” de Stéphane Courtois, num estudo do impacto mortal da ideologia, o autor contabiliza a soma das vítimas de execuções, fome induzida pelo estado, guerra, deportações e trabalhos forçados, perpetrados por regimes socialistas, num total que ronda os 100 milhões de mortes. Dentro desta soma, destaca-se a República Popular da China com 65 milhões de vítimas, a URSS com 20 milhões, Camboja e Coreia do Norte com 2 milhões cada, 1,7 milhões na Etiópia, 1,5 milhões no Afeganistão, 1 milhão nos países da “cortina de ferro” e no Vietname, cada, 150 mil na América Latina e outros 10 mil por movimentos e partidos comunistas fora do poder. Estes números repugnantes, postos em perspetiva, representam mais de 5 Holocaustos mas, no entanto, parece que poucos se lembram deles. Em que diferem as vítimas do nazismo e do comunismo? Não foram ambas perpetradas por regimes fanáticos e totalitários? Não se basearam ambas na identidade e propriedade das vítimas, assim como num suposto “bem comum maior”, quer seja este o de uma sociedade ariana ou de uma sociedade sem classes? Não terão sido ambas vítimas de uma perseguição sistemática? “Sim” é a resposta a todas estas perguntas. No entanto, os casos diferem num simples facto: um dos lados ganhou a segunda guerra mundial, o outro perdeu-a, e quem escreve a história são os vencedores.

 Dizer que a União Soviética ficou do lado certo da história é nada mais que paradoxal. Por um lado ajudaram os aliados a derrotar o nazismo, por outro, com este feito, garantiram a sobrevivência da sua própria forma de terror durante quase mais meio século. A exploração da sociedade tanto foi o ponto de crítica ao capitalismo, como o instrumento utilizado pelos ditos críticos comunistas para subordinar o individuo à máquina do estado através da força. Os regimes comunistas causaram fomes com o objetivo de forçar a coletivização da agricultura, utilizando o abastecimento de comida como uma arma política. Exemplo disto é o Holodomor, genocídio ao povo ucraniano levado a cabo por Estaline entre 1932 e 1933 através de fome induzida por políticas do governo, sendo reconhecido internacionalmente como tal por 34 países. A simples necessidade de explicar o que foi esta tragédia justifica a importância de não se poder esquecer o que uma ideia pode fazer. Estimativas recentes, indicam um valor a rondar os 7 milhões como sendo o número das vítimas do Holodomor, superando assim os 6 milhões de judeus mortos em campos de concentração nazis. Como é possível diferenciar uma criança ucraniana morta de fome e uma criança judia morta numa câmara de gás de Auschwitz? O horror não morre com o esquecimento; há que lembrar, para nunca mais voltar a acontecer.

 No entanto, e infelizmente, não é preciso voltar aos anos 30 para verificar os horrores cometidos pelo socialismo e pelos governos que levantam o seu estandarte. Há que voltar a interrogar, desta vez com um toque anacrónico, qual será a diferença entre uma criança ucraniana morta de fome e uma criança venezuelana morta de fome? Não há. Um devaneio estalinista para esmagar o nacionalismo ucraniano e deskulakizar a agricultura equipara-se a um devaneio de Maduro para prolongar um desastre económico, barrar a entrada de ajuda humanitária “cancerígena e envenenada” e combater o “imperialismo americano”. Como é possível comparar Estaline a Maduro? Poder. Como apresentado por Rudolph Rummel, assim dita o princípio do poder: “O poder mata e o poder absoluto mata absolutamente”. Como é óbvio, a concentração de poder e aumento deste por parte do estado em relação à sociedade não é algo exclusivo do comunismo. No entanto, é algo comum a toda a conceção de sociedade que exalta o coletivismo. Tudo pelo estado, nada contra o estado. Afinal de contas, segundo tal perceção, o povo é o estado e o estado é o povo – um autêntico exercício de masoquismo e fanatismo que espezinha o indivíduo e a essência do ser humano. Tudo pelo bem comum, nada contra o bem comum. Mas o que é o bem comum e quem o define? Uma elite burocrática nos sovietes, conselhos de trabalhadores ou parlamentos que decide “brincar a deus” e decidir pelas pessoas o que é melhor para elas? Este foi o destino que se mostrou a todos os que enveredaram pelo caminho da servidão e do gigantismo estatal que concentra nele todo o poder. Em cima de 100 milhões de cadáveres, o comunismo foi a maior catástrofe presenciada pela humanidade.

 Cair nos jogos de retórica e utilizar os labirintos lexicais do marxismo não é nada mais que separar a culpa da responsabilidade. Klas-Göran Karlsson explica sucintamente: “As ideologias são sistemas de ideias que não podem cometer crimes independentemente. No entanto, indivíduos, coletivos e estados que se definiram como comunistas cometeram crimes em nome da ideologia comunista”. A desculpabilização dos comunistas perante os factos da história, baseia-se na atribuição destas tragédias ao desvio e corrupção dos seus ideais puros por ditadores. No entanto, serão estes ideais assim tão puros? Se o são, porque nunca resultam sempre que são experimentados? Porque acabam sempre estas experiências sociológicas com morte, pobreza e sofrimento? É frequente ouvir-se que “o comunismo é muito bonito, mas na prática não funciona”, mas será de facto o comunismo assim tão bonito como dizem ser? Será uma sociedade onde todos são iguais, onde não há estado, classes nem dinheiro uma sociedade desejável? Onde há lugar numa sociedade destas para a ambição humana e desejo de melhorar-se a si mesmo e de ser diferente? Seria uma sociedade aborrecida, estagnada, uma redoma artificial, um efeito placebo insípido onde a formatação substitui a individualidade e rédeas invisíveis prenderiam no mesmo lugar o excelente e o medíocre, o trabalhador e o preguiçoso, o responsável e o irresponsável – o cúmulo da injustiça mascarado de uma promessa de igualdade, uma verdadeira distopia. Uma ideia fácil de vender ao desesperado, ao pobre e ao bem-intencionado. Afinal de contas, não será virtuoso defender os mais pobres? Se sim, a que custo? Será extorquir do homem que está melhor na vida para dar ao que está pior, justo? Será justo dizer que pela simples condição material de alguém, ela tem direito ao fruto do trabalho de outrém? Quantas noções de direito à propriedade e dignidade humana não serão atropeladas para tal? Como aplicar tais noções perversas de “justiça social” senão através da força das armas, da violência e da opressão? A dita “luta de classes” não é nada mais do que uma guerra civil sociológica, uma farsa que pretende justificar a exclusão de direitos inatos do ser humano como a liberdade, a vida e a propriedade, com base na riqueza material de cada um, numa tentativa de redefinir a natureza humana, uma desculpa para esculpir a sociedade de acordo com a vontade de um tirano.

 Hoje em dia a suástica é repugnada e com razão, mas a foice e o martelo continuam erguidos e tolerados pela sociedade. Enquanto milhões sofrem em países como a Coreia do Norte, Venezuela e Cuba, entre outros, partidos comunistas e socialistas – a partir do mundo democrático e capitalista onde vivem em condições nunca possíveis nas suas perversas noções de estado – branqueiam a história e apoiam abertamente os ditos regimes. Enquanto a extrema-direita é repugnada – e bem, acrescente-se – partidos tais como o Partido Comunista Português, entre muitos outros noutros países, gozam da sua mera existência e permanecem impunes e sem condenação ao defenderem ditaduras. Uma ideia que está na origem de 100 milhões de mortos continua apelativa para muitos que acreditam que se for tentada só mais uma vez, depois de tantos fracassos, irá de alguma forma resultar, numa suposta utopia. Só mais uma vez, não importam os meios para atingir os fins, não importam os mortos, não importa esbarrar com a realidade económica, tudo se justifica por uma “boa intenção”. Um comunista querer tentar aplicar de novo o seu ideário por julgar que quem o fez antes não o fez bem, é o mesmo que um fascista sugerir que o que foi feito por Hitler e Mussolini também não foi bem feito e portanto valerá a pena tentá-lo de novo, é igualmente absurdo e devia ser igualmente ofensivo e repugnante. A existência deste pensamento em pleno século XXI espelha a arrogância, a falta de humildade e uma visão seletiva e ignorante da história por parte de quem o defende. Por detrás da máscara do “anti-fascismo” surge a outra face da mesma moeda. As mensagens dos vândalos do cemitério de Highgate espelham a frustração perante o esquecimento das vítimas desta ideologia depravada, espelham o branqueamento da história por quem a lê e espelham a angústia ao ver tantas pessoas das gerações mais novas a defender uma ideia que acaba sempre em genocídio. Comunismo e socialismo em pleno século XXI é o expoente do anacronismo, a prova de que muitos não aprendem com a história e de que onde há liberdade, existirá sempre quem a odeie.

Nuno Vilão

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